Por Gilberto
Costa – Repórter da Agência Brasil - Um passeio entre as barracas de comida dos
"arraiás" juninos pode render algumas calorias e, aos glutões
caipiras mais curiosos, algum conhecimento sobre a formação cultural brasileira
e a nossa culinária.
Quem
explica é a professora de gastronomia Luiza Buscariolli, que leciona no
Senac-DF e no UniCeub e ensinou aos leitores da Agência Brasil dois pratos típicos do São João. Segundo
ela, os quitutes guardam a história dos portugueses e dos povos ameríndios que
habitavam o país antes dos nossos colonizadores.
Professora de gastronomia Luiza Buscariolli - Agência Brasil/Marcello Casal Jr
“A gente
sabe que havia algumas festas neste mês de junho que os indígenas
faziam. Quando os jesuítas estiveram no Brasil [a partir de 1549], aproveitaram
dessas festas para trazer a tradição [europeia] de festas juninas, que por sua
vez eram uma apropriação das antigas festas pagãs por causa do solstício de
verão, que no hemisfério sul é solstício de inverno”, revela.
Enquanto
prepara uma porção do prato Maria Isabel, comida típica da
região hoje conhecida como o Estado do Piauí, que mistura arroz com
carne-de-sol, Buscariolli lembra que a iguaria guarda relação com o ciclo de
gado iniciado pelos portugueses no Brasil (século 16). A atividade pecuária foi
introduzida por Tomé de Souza, primeiro governador-geral (1549 a 1553) ainda no
tempo das capitanias hereditárias, para transporte e alimentação.
O prato
Maria Isabel, assim como a paçoca de carne de sol também do Nordeste; o arroz
carreteiro (com charque ou carne seca) do Sul e o feijão tropeiro (com torresmo
e linguiça) dos sertões de São Paulo, Minas Gerais e Goiás (esse no século 17),
são comidas que podiam ser armazenadas e transportadas em longas viagens.
“A lógica
é tudo seco, porque se conseguia colocar em uma bolsa [de couro]”. Na hora da
fome, a carne era picada e misturada. “Podiam usar água para fazer
reidratação”, assinala a professora de gastronomia.
Além da
proteína animal, outros ingredientes desses pratos compõem nossa história. O
arroz, do Maria Isabel, foi trazido da Ásia pelos colonizadores portugueses. A
farinha de mandioca tem origem indígena, e o feijão, ingerido pelo homem desde
a antiguidade, tem espécies autóctones no Brasil e outros países americanos.
Assim
como a mandioca, usada na produção da farinha e do beiju, os indígenas
trouxeram ao cardápio junino os pratos a base de milho. Iguarias provadas
durante as festas, como a espiga cozida, curau, pamonha e canjica foram
ensinados aos colonizadores pelos indígenas.
“Para os
portugueses, milho era comida de animal. Foi muito difícil aceitarem. Passaram
a comer porque não tinha outra coisa”, explica Luiza Buscariolli ao preparar um
bolo de milho com goiabada para a Agência
Brasil.
A
conformação desses pratos teve início antes do ciclo do açúcar (começado ainda no
século 16), que ajudou a adoçar muitas iguarias juninas, e bem antes do ciclo
da mineração (século 18) que se notabilizam pelo intenso uso de mão de obra
escrava violentamente traficada da África.
Luiza
Buscariolli sublinha que na condição de escravo, eram restritas a autonomia
dessas pessoas até para se alimentar. “A possibilidade de escolher o que
cozinhar e com que alimento vem depois [do fim] da escravidão. Ela nota, no
entanto, que os negros após o fim da escravidão irão se ocupar de preparar e vender
alimentos nas ruas em tabuleiros, como aqueles que ainda hoje vendem
cocadas em áreas do litoral brasileiro - “uma conserva de coco”, como sabiam
fazer os portugueses sob influência francesa.
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